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Commer (exposição na Museu Geológico)

Virgulei sem saber como. Vesti-me dessa espécie de pausa que me grita ao acordar. Virgulei para separar a palavra da cor que se aplana bem na minha frente. Joguei o vermelho quente por cima das mantas em cima da minha cama. Sei que só uma vírgula pode pausar bem um texto, e assim enfatizo delicadamente o que encontro na alma, cada vez mais mecânica, que se move de acordo com a sua vontade independente de mim, do meu buscar.

Atiro a vírgula aqui tal como atiro a tinta nos desenhos cromáticos. São momentos de concentração, de desprendimento da forma, de colocar-me toda nesse gesto. Uma espécie de nervosismo antecede esse rito, esse enfatizar de tudo o que posso e quero.

Conheci um senhor que escrevia sem usar vírgula, e escrevia, porque a ausência é muitas vezes mais forte que a presença. Mesmo assim, quando virgulo evito esta espécie de sentimento de privação que quem está dormente necessita para sentir. Hoje sentimos pouco o ter simples. Gostamos de quem nos priva de sentimentos nobres, preferimos as prisões. Estes desenhos são a simplicidade livre. A vírgula plástica do meu caminhar, dos meus escritos em branco, dessas folhas desejosas de receber a cor.

Conheci um senhor que usava vírgulas a torto e a direito. Ele brincava visualmente com os textos e o leitor andava aos solavancos por essas páginas que vão ficando para trás. Mas eu talvez prefira esta espécie de escrita enfática que nos provoca calafrios e marca as camadas da nossa sensibilidade. Que nos pára, que nos questiona. Hoje virgulo por detrás daquele estendal que acolhe tecidos já velhos, virgulo até não querer mais, até ver a cor intensa que me desperta sensações várias debaixo de uma folha de papel bem fina. Sim, António, eu sei que a vírgula marca pausas e inflexões, enfatiza e separa; falamos de ritmo, de plasticidade. Agora acrescentei um ponto e virgula! Inteligente esta ênfase da vírgula, não achas? Inteligente o lilás, o azul e o verde que dizem o que não sei escrever.

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